No Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral, MPT destaca práticas restaurativas que previnem os casos em empresas

O dia 02 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral. A data foi escolhida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando da aprovação da Resolução 450/2022 de 12 de abril de 2022, que instituiu a Semana de Combate ao Assédio e à Discriminação na agenda permanente dos tribunais.

E engana-se quem pensa que a solução do assédio moral e sexual no ambiente laboral resume-se a punir pessoas de conduta assediadora. Antes, é possível, sim, prevenir casos adotando práticas de Justiça Restaurativa. O assunto tem, cada vez mais, recebido a atenção de empresas e de pesquisadores da área. Escuta ativa, círculos de paz e capacitação em comunicação não violenta são algumas das ferramentas, com eficácia comprovada, utilizadas por empresas pioneiras na prevenção de casos de assédio moral no ambiente laboral.

Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco Débora Tito, uma melhor comunicação e olhar propositivo sobre a cultura de paz pode, e deve, ser buscada e executada pelas empresas. “Experiências positivas de empresas acompanhadas pelo MPT em Pernambuco reforçam o quanto a prevenção é o melhor caminho e que as práticas restaurativas podem ser também usadas em conflitos já postos ou nas situações em que tenha havido a configuração do assédio com utilização da repressão, para reestabelecer a higidez psíquica no meio ambiente como um todo”, comentou a procuradora do Trabalho.

Experiente na promoção de práticas restaurativas em diversos setores, o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcelo Pelizzoli alerta que “não tem uma fórmula pronta, a gente tem toda uma metodologia, as teorias restaurativas, a comunicação não violenta e a gente vai adaptando isso no ambiente. Uma vantagem é que alguns problemas, alguns conflitos tem aspectos universais também, seja no ambiente de trabalho ou familiar, seja em qualquer lugar”. Apesar desta dificuldade, o pesquisador percebe que trabalhadores e gestores, normalmente, têm anseio por trabalhar o tema.

“As pessoas têm vontade imensa de criar um ambiente pacífico, de não entrar em conflito. Então, entender por que elas entram em conflitos, entender por que tem questões de violência nesses ambientes, os obstáculos a um bom ambiente que flui, pacificado, é fundamental”, afirmou o professor da UFPE. “Quando a gente começa a trazer à tona a nossa fragilidade e que no fundo dos conflitos não há uma questão moral de maldade, mas de necessidades feridas e sentimentos a atingidos, então as pessoas começam a se entender como humanas, umas com as outras”, completou.

De acordo com Pelizzoli, a prevenção e o tratamento do assédio moral passa pelo processo de autoconhecimento e compreensão do próximo. “É preciso trabalhar a estabilidade emocional e tentar entender as pessoas, porque o sofrimento leva à violência. As pessoas querem muito um ambiente pacífico. Imagina uma pessoa acordar de manhã, milhares e milhares de dias, para ir a um ambiente de trabalho. Imagina se aquilo está pesado? Tem um conflito com um colega, tem uma opressão da chefia, ou seja o que for, aquilo destrói a saúde mental de uma pessoa, a saúde física”, pontuou o pesquisador.

“A cultura de prevenção ao assédio moral é necessária, sobretudo, em um cenário no qual nenhuma empresa admite que há assédio moral nas suas dependências. Há uma esquiva imediata quando o tema é levantado e, muitas vezes, as que aderem a iniciativas mais preventivas e promocionais são as que já têm uma linha mais humana no seu tratamento do meio ambiente do trabalho”, afirmou Débora Tito. Apesar da negativa das empresas, as denúncias de assédio moral e sexual têm crescido. Em 2022, o MPT em Pernambuco recebeu 360. Em 2023, esse número subiu para 659.

ATUAÇÃO

Por meio da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), o MPT atua para prevenir e combater práticas de assédio moral e sexual. Para além das Ações Civis Públicas (ACP), os procuradores do órgão ministerial promovem e participam de audiências públicas, capacitações e treinamentos sobre o tema. Para Débora Tito pautar o diálogo, defender a comunicação não violenta e promover os círculos de construção de paz melhoram os relacionamentos, independentemente de casos postos.

ENTREVISTA

O professo Marcelo Pelizzoli concedeu entrevista à procuradora do Trabalho e pesquisadora da área Débora Tito. Na ocasião, ele falou sobre as experiências na promoção da Justiça Restaurativas. Confira a entrevista com o professor Marcelo Pelizzoli abaixo:

MPT – Gostaríamos que o professor começasse falando um pouco da sua jornada na Justiça Restaurativa. Como é que foi esse caminhar?

Marcelo Pelizzoli –
 Certo, bom que a gente possa conversar sobre isso. Foi em 2005, a partir do seminário nacional que houve aqui em Recife sobre Justiça Restaurativa e foi o ano também que eu conheci e fiz um curso com o criador da comunicação não violenta, Marshall Rosenberg. E tem essa conexão muito forte entre CNV e Justiça Restaurativa. Me apaixonei, fui pesquisar, comecei a publicar sobre o assunto e também a trabalhar, porque encontrei um caminho bem prático, não só teórico, para a questão dos direitos humanos e da cultura de paz. E aí em 2014 a gente criou na Universidade Federal de Pernambuco o EDR – Espaço Diálogo e Reparação, que trabalha com Justiça Restaurativa e um pouquinho antes disso também o mestrado em direitos humanos, onde a gente logo em seguida criou Justiça Restaurativa como pesquisa e todo um movimento dentro da universidade, em que a gente foi montar e trabalhar fora. Na verdade, naquele momento até mais fora teve uma reverberação maior, tanto que a gente criou a Rede de Justiça Restaurativa de Pernambuco em 2014, 2015. Teve a implementação na Vara da infância, e logo veio a área de educação, sócio-educação, FUNASE, e a gente foi expandindo até 2019, quando começamos a montar a política municipal de Cultura de Paz, Justiça Restaurativa, que agora está em fase de execução em Recife.

MPT – E ainda mais voltado para a esfera criminal de crianças e adolescentes e escolas. Em ambiente de trabalho, a gente pega um exemplo aqui, outro ali.

Marcelo Pelizzoli –
 Bem, é no Brasil como todo ainda. Já tem experiências muito interessantes, que a gente conhece, mas ainda é muito pequeno em relação ao que tem nas outras áreas. 

MPT – É um campo para a gente explorar. Como foi sua experiência lá na rede varejista de supermercados? Você como catedrático na área, como é que foi pra montar, como é que foi essa experiência inicialmente?

Marcelo Pelizzoli –
 Tivemos reuniões iniciais para eu entender o contexto, porque a gente não tem uma fórmula pronta, a gente tem toda uma metodologia, as teorias restaurativas, a comunicação não violenta e a gente vai adaptando isso no ambiente. Uma vantagem é que alguns problemas, alguns conflitos tem aspectos universais também, seja no ambiente de trabalho ou familiar, seja em qualquer lugar. Ou seja, alguma a coisas se assemelham. Agora, para mim, foi a primeira grande empresa privada. Eu já tinha feito muitas palestras em empresas, muitos cursos na área de sistema de justiça, no setor público onde eu trabalho, muitas outras na educação, ONGs também, governos, com formações nessa área restaurativa e comunicação não violenta. E aí foi uma experiência muito interessante, porque em primeiro lugar percebemos o anseio dos colaboradores, das pessoas, dos gestores por trabalhar de uma forma mais profunda esses temas, do que são os relacionamentos, quais as causas dos conflitos.

Então é muito bom quando as pessoas anseiam algo que possa despertar isso, porque elas têm virtudes enormes, vontade imensa de criar um ambiente pacífico, de não entrar em conflito. Então, entender por que elas entram em conflitos, entender por que tem questões de violência nesses ambientes, os obstáculos a um bom ambiente que flui, pacificado, é fundamental.

Quando as pessoas percebiam que podiam investir na confiança, porque quando um está desconfiando do outro, isso é muito difícil. Eu não vou confiar que o outro está querendo algo bom, pois no fundo ele me machucou. Há muita desconfiança nas relações humanas. E quando a gente começa a trazer à tona a nossa fragilidade e que no fundo dos conflitos não há uma questão moral de maldade, mas de necessidades feridas e sentimentos a atingidos, então as pessoas começam a se entender como humanas, umas com as outras. Isso é uma coisa que vai fazer a experiência muito boa em todos os lugares que a gente vai. As pessoas descobrem a sua humanidade e a sua força, ao mesmo tempo em que elas querem acertar.

E a outra coisa que pra mim ficou claro, como em todos os lugares, é como os problemas de comunicação são essenciais. Temos os problemas nesse nível afetivo do sentimento, ferimento das necessidades, de coisas bem concretas, e essa questão da comunicação, ela às vezes põem tudo a perder.

Então a gente trabalhou muito em cima dessa estabilidade emocional, humana, de confiança em si na vida e tentar entender as pessoas, porque que o sofrimento leva à violência e esse aspecto de melhorar a comunicação também é fundamental.

MPT – Aí, como foram divididos os encontros? Vocês selecionaram público? Como foi esse desenho prático?

Marcelo Pelizzoli –
 Eles tem mais de 1200 colaboradores, então não daria pra pegar todo mundo. Então nós fizemos uma bateria de 8 ou 9 minicursos, com um turno cada um, para que eles vivenciassem as experiências também. A parte teórica foi dividida assim: o público principal foi o RH, recursos humanos, que receberam uma formação de carga-horária três vezes maior, para que eles possam ser disseminadores, porque a nossa ideia é sempre pegar pessoas chaves para isso, gerentes de loja, coordenadores de setor, e nesse caso até os diretores da própria empresa, o que eu achei fantástico, os próprios donos, diretores da empresa, fizeram o mini curso. E deu pra perceber essa vontade deles de fato de produzir um ambiente melhor. Isso foi muito, muito positivo. Então se trabalhou diretores, se trabalhou coordenadores de setor, gestores de áreas, gerentes de loja e o RH mais profundamente nos processos circulares. A maioria em comunicação não violenta, relações e conflitos e aí o RH também iniciação aos processos circulares restaurativos, no encontro restaurativo onde você pode fazer círculos e resolver muitas coisas ali com esse processo. Então esse grupo que chegou em aproximadamente 200 pessoas no total. A ideia é que eles possam irradiar para todo o campo, para todo o ambiente empresarial.

MPT – Então não foi só comunicação não violenta. Teve também as práticas circulares.

Marcelo Pelizzoli – O maior público foi a comunicação não violenta, mas pro RH a gente aprofundou as práticas circulares. Fizemos todos os cursos em formato circular com alguns elementos do processo circular, mas a maioria era a comunicação não violenta. No RH nós tivemos o processo circular, fazendo círculos mesmos com eles para que os vivenciassem e também para aprender um pouco a metodologia do processo circular restaurativo, que você pode usar para muitas coisas: convivência, conflito, tomada de decisão, para medida disciplinar. Porque é isso que a gente está estimulando na empresa, que as instituições usem isso junto com os processos disciplinares, para que não fiquem só “enxugando gelo”. Usar só a medida punitiva pode ser uma armadilha, uma gangorra, então gente podemos usar um processo de responsabilização acolhedor restaurativo.

MPT – Pela sua experiência, seria possível fazer esses círculos, por exemplo, em ambientes em que tem uma adversidade entre colegas, para melhorar o ambiente de trabalho? Porque muitas vezes é como o senhor disse, não é que tem um problema de fato, às vezes é uma dificuldade de comunicação e vemos um nicho muito grande, muito próspero, muito vocacionado para a aplicação em lugares em que já exista algum conflito instalado.

Marcelo Pelizzoli – Sim. E os modos de fazer são mais de um. É interessante, você pode fazer um tipo de mediação, receber uma formação em comunicação não violenta ou algo desse sentido, ajudar no diálogo entre duas pessoas, porque as vezes as pessoas erram nisso de não saber entrar em diálogo propriamente. Então uma pessoa pode ajudar a fazer isso e no caso do processo circular vai falar, por exemplo, sobre convivência, sobre como melhorar a comunicação no ambiente. São temáticas que você escolhe para um círculo que vão estar trabalhando. Não precisa necessariamente aprofundar aquele elemento conflitivo direto. Pode ser arriscado muitas vezes. Mas você já vai estar trabalhando indiretamente, dissolvendo aquele conflito com os encontros restaurativos de convivência, por exemplo, ou de melhoria do diálogo. Eles são muito propositivos, muito positivos, em vez de ficar buscando os elementos negativos e criticando isso ou aquilo. Eles vão produzir a saída dessa negatividade.

MPT – E como é que foi a receptividade do pessoal? Porque o MPT já colheu alguns depoimentos e as pessoas pareceram encantadas.

Marcelo Pelizzoli – Esse é o ponto que deixa a gente mais feliz. Você não vai fazer um trabalho de palestra, apenas professoral, só trazer a teoria. A comunicação não violenta, a visão restaurativa elas o tempo inteiro mexem muito com a nossa vida. Como é a nossa comunicação? Como é a nossa emoção? Como a gente se relaciona e olha as pessoas e o mundo e a si mesmo? Então ela é muito transformadora e tem muitas pessoas esperando por isso. A gente está num mundo de muita correria, muita dificuldade, muita conflitividade e quando você pode parar e ver essas virtudes, essas qualidades positivas das pessoas e poder começar aflorar em você até para você se sentir melhor, confiar mais em você, compreender que às vezes o outro não está fazendo aquilo por mal. O mundo não é só bem contra o mal, não é só polarização. E as pessoas querem algo mais profundo, querem muito um ambiente pacífico, querem muito acertar as coisas, querem muito fluir. Você imagina uma pessoa que acorda de manhã, vai ficar quantos dias, milhares e milhares de dias indo para um ambiente de trabalho e imagina se aquilo está pesado? Tem um conflito com um colega, tem uma opressão da chefia, ou seja o o que for, aquilo destrói a saúde mental de uma pessoa, a saúde física. Então as pessoas querem muito um ambiente pacífico em relacionamentos, então quando elas encontram essa experiência real que é dada pela CNV e tantos casos que eu trago, conflitivos, negativos. E se há solução desses casos, as pessoas de fato ficam muito animadas, porque é para alguns até uma luz no fim do túnel.

MPT – E quais são os próximos passos agora? Tem alguma previsão de atividades?

Marcelo Pelizzoli – Nós temos um fechamento de um dia inteiro com RH para aprofundamento dos processos circulares e a ideia que eu trago país é assim, é, não pode ser só um curso que você faz, então a gente propôs que se façam círculos. Que seja uma vez por mês, círculo de convivência, círculo para ver como é que está o bem estar de cada um, círculo de cuidado, porque isso vai ser o elemento de prevenção de conflito. E também quando houver conflito, ele se resolve muito mais rápido, porque você já sabe conversar, já tem um lugar, um ambiente que trata isso, o que não tem geral. Não tem um ambiente de diálogo, de conversa, é tudo muito atropelado, às vezes é apenas punitivo ou impunitivo. Então, o próximo passo que para isso se assentar é fazer-se processos de encontros circulares, utilizar a CNV. Uma linguagem de CNV desses gestores, dessas pessoas mais capacitadas a utilizar isso para irradiar, usar uma comunicação assertiva, clara, não violenta, transparente, que tem uma conexão com as pessoas, e isso, com certeza, reverbera positivamente. O outro passo é tentar acompanhar, eu gostaria de acompanhar ou o próprio RH da empresa acompanhar os resultados, nem que seja os qualitativos mesmo, da mudança do ambiente, a satisfação das pessoas, do bem estar. Colher os resultados qualitativo e também quantitativos, de diminuição de conflitos, etc. Esse ponto é essencial para a mudança do ambiente. E, por último, estimular que eles continuem algum tipo de formação nessa área para não perder esse elã, essa força do que foi tocado, que a gente chama que é a força do coração, do centro da nossa vida, onde a gente quer de fato uma vida melhor, diminuir o sofrimento, aumentar a felicidade das pessoas, cultivar isso com continuidade das formações e palestras. É isso a gente propõe que se faça para poder assentar o conhecimento e a prática.

MPT – Perfeito. Eu espero que a gente consiga fazer isso em várias empresas privadas, porque eu vejo uma necessidade mesmo, como o senhor falou aí das pessoas, terão espaço para falar, ter espaço para dialogar e que esse exemplo seja multiplicado por vários lugares e que a gente possa espalhar essa boa notícia e essas boas práticas.

Marcelo Pelizzoli – Eu ficou feliz que o Ministério público do trabalho tenha toda essa conexão, que além de um trabalho hercúleo tem também a compreensão desses processos restaurativos.

IC 002141.2022.06.000/9 - 17