Artigo | Dia do Estagiário - A crise não pode ser desculpa para fraude trabalhista via contrato de estágio

Para marcar o Dia do Estagiário, 18 de agosto, o procurador do Trabalho José Adílson Pereira da Costa escreveu o artigo "A crise não pode ser desculpa para fraude trabalhista via contrato de estágio". Confira o texto na íntegra.


A crise não pode ser desculpa para fraude trabalhista via contrato de estágio

José Adílson Pereira da Costa - Procurador do Trabalho


Dezoito de agosto é o Dia do Estagiário. Quem nunca ouviu a história de um grande executivo que iniciou sua carreira na empresa como estagiário? Quem não tem um exemplo na família de alguém que, ao terminar o estágio, foi contratado? E qual empresário não gostaria de, nessa crise, baratear os custos de sua mão de obra se pudesse contratar mais estagiários?

Em abril passado, o tema foi objeto de matéria jornalística intitulada “Crise abre portas para estagiários”, capa de um jornal de grande circulação no Recife. Em resumo, o artigo afirmava que “o mercado de trabalho se embaralha com a crise. Contratação de estudantes cresce entre empresas que buscam reduzir custos com INSS, FGTS e 13º salário”. E que a crise estava reduzindo os postos de emprego e ampliando a contratação de estagiários, tornando o mercado muito competitivo nesse segmento, pois até mesmo para contratar estagiários as empresas passaram a exigir experiência.


Registre-se, de início, que quem define se o trabalhador é autônomo, empregado, avulso, prestador de serviço, estagiário etc., e se terá direito a FGTS, 13º salário, férias, ou obrigação de pagar Imposto de Renda ou contribuição previdenciária é a lei e não a vontade do trabalhador ou dos empresários. É o princípio da determinação legal das figuras do “empregado” e do “empregador” (artigos 2º e 3º da CLT). Logo, se o trabalhador exerce sua atividade de modo que incidam nessa relação os requisitos da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade), ele será empregado, ainda que assine um contrato de “prestador de serviço”, “autônomo” ou “estagiário”, pois no Direito do Trabalho prevalece a realidade sobre a forma.


Por sua vez, vale dizer, estágio é ato educativo que tem por objeto complementar o ensino e a aprendizagem; deve ser planejado, executado, acompanhado e avaliado em consonância com os currículos, programas e calendários escolares; deve proporcionar experiência prática na linha de formação do estagiário; é sempre curricular e supervisionado (seja obrigatório, seja não obrigatório), assumido intencionalmente pela instituição de ensino.


Embora a Lei nº 11.788/2008 afirme que o estágio não gera vínculo empregatício, diz também que, se não atendidos os requisitos formais e substanciais desse instituto, a relação de emprego submerge e o contrato de estágio é nulo.


A lei não obriga ninguém a contratar estagiário. Logo, em tese, ninguém “precisa” de estagiário, pois para executar as atividades necessárias à existência de um estabelecimento, devem ser contratados empregados, ou os próprios titulares da empresa devem realizar tais atividades, ou, quando cabível, mediante contratação de serviços de terceiros. Os estagiários jamais devem ser contratados como a mão de obra necessária para atender à demanda dos clientes, consumidores, usuários de um serviço.


Se alguma entidade quer ajudar as instituições de ensino a formar melhores profissionais, por possuir máquinas, equipamentos, modelos de gestão ou know-how mais modernos e eficientes do que aqueles disponibilizados aos estudantes no ambiente escolar, pode e deve fazê-lo, pois educação é dever de todos, e não apenas do Estado ou da família. Estará a empresa que assim fizer cumprindo sua função social e fomentando a educação, podendo ser beneficiária, ela mesma, desse ou de outros profissionais que viveram essas experiências práticas.


No entanto, a lógica do estágio é invertida quando a empresa afirma “precisar” de estagiário, pois o verdadeiro contrato de estágio não serve para substituir o contrato de experiência, testar as habilidades de um possível futuro empregado, nem para baratear os custos da mão de obra.


De suma gravidade é o fato de setores inteiros de empresas, muitas vezes indispensáveis ao seu funcionamento, estarem atuando exclusivamente com o labor de estagiários – patente a substituição fraudulenta de mão de obra. Por vezes, empregados são dispensados e substituídos por estagiários; em outros casos, empresas abrem filiais e remanejam os empregados existentes complementando o quadro necessário ao seu funcionamento com a contratação de “estagiários”. E o setor público deixa de realizar concurso para contratar servidor e preenche as vagas com estagiários.


Nesse contexto, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio dos procuradores do Trabalho e dos auditores fiscais, respectivamente, atuam no combate à fraude mediante atuação proativa e planejamento de ações, pois praticamente não há denúncias: o aluno não denuncia porque precisa do estágio para auferir renda que lhe permita pagar as mensalidades do curso ou manter a si e a família, ante a falta de emprego; a instituição de ensino, quando privada, porque a remuneração do estágio lhe garante receber mensalmente as mensalidades cobradas do aluno estagiário; as unidades concedentes não o fariam, pois não exporiam sua conduta ilegal; e os agentes de integração têm interesse na manutenção do estágio, vez que cobram das unidades concedentes valores a título de taxas de administração, pelos serviços prestados para a formalização dos contratos, e recebem vultosas quantias de órgãos públicos para exercerem suas atividades previstas em lei.


Somente a união de esforços entre órgãos de fiscalização, a conscientização de alunos, professores, dirigentes de instituições de ensino sobre o caráter essencialmente educativo do estágio, que deve sempre se sobrepor ao produtivo, poderá fazer o instituto do estágio tornar-se uma ferramenta eficiente e eficaz de atuação da sociedade no cumprimento do seu dever de colaborar com o Estado na concretização do direito fundamental à educação. É nesse sentido que se convocam todos a denunciar irregularidades, na busca da valorização do estágio como ato essencialmente educativo e não produtivo, sem tornar ainda mais precárias as relações de emprego.

 

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Especial - Dia do Estagiário

As fraudes trabalhistas envolvendo os contratos de estágio

 

 

Dezoito de agosto é o Dia do Estagiário. Quem nunca ouviu a história de um grande executivo que iniciou sua carreira na empresa como estagiário? Quem não tem um exemplo na família de alguém que, ao terminar o estágio, foi contratado? E qual empresário não gostaria de, nessa crise, baratear os custos de sua mão de obra se pudesse contratar mais estagiários?

Em abril passado, o tema foi objeto de matéria jornalística intitulada “Crise abre portas para estagiários”, capa de um jornal de grande circulação no Recife. Em resumo, o artigo afirmava que “o mercado de trabalho se embaralha com a crise. Contratação de estudantes cresce entre empresas que buscam reduzir custos com INSS, FGTS e 13º salário”. E que a crise estava reduzindo os postos de emprego e ampliando a contratação de estagiários, tornando o mercado muito competitivo nesse segmento, pois até mesmo para contratar estagiários as empresas passaram a exigir experiência.

Registre-se, de início, que quem define se o trabalhador é autônomo, empregado, avulso, prestador de serviço, estagiário etc., e se terá direito a FGTS, 13º salário, férias, ou obrigação de pagar Imposto de Renda ou contribuição previdenciária é a lei e não a vontade do trabalhador ou dos empresários. É o princípio da determinação legal das figuras do “empregado” e do “empregador” (artigos 2º e 3º da CLT). Logo, se o trabalhador exerce sua atividade de modo que incidam nessa relação os requisitos da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade), ele será empregado, ainda que assine um contrato de “prestador de serviço”, “autônomo” ou “estagiário”, pois no Direito do Trabalho prevalece a realidade sobre a forma.

Por sua vez, vale dizer, estágio é ato educativo que tem por objeto complementar o ensino e a aprendizagem; deve ser planejado, executado, acompanhado e avaliado em consonância com os currículos, programas e calendários escolares; deve proporcionar experiência prática na linha de formação do estagiário; é sempre curricular e supervisionado (seja obrigatório, seja não obrigatório), assumido intencionalmente pela instituição de ensino.

Embora a Lei nº 11.788/2008 afirme que o estágio não gera vínculo empregatício, diz também que, se não atendidos os requisitos formais e substanciais desse instituto, a relação de emprego submerge e o contrato de estágio é nulo.

A lei não obriga ninguém a contratar estagiário. Logo, em tese, ninguém “precisa” de estagiário, pois para executar as atividades necessárias à existência de um estabelecimento, devem ser contratados empregados, ou os próprios titulares da empresa devem realizar tais atividades, ou, quando cabível, mediante contratação de serviços de terceiros. Os estagiários jamais devem ser contratados como a mão de obra necessária para atender à demanda dos clientes, consumidores, usuários de um serviço.

Se alguma entidade quer ajudar as instituições de ensino a formar melhores profissionais, por possuir máquinas, equipamentos, modelos de gestão ou know-how mais modernos e eficientes do que aqueles disponibilizados aos estudantes no ambiente escolar, pode e deve fazê-lo, pois educação é dever de todos, e não apenas do Estado ou da família. Estará a empresa que assim fizer cumprindo sua função social e fomentando a educação, podendo ser beneficiária, ela mesma, desse ou de outros profissionais que viveram essas experiências práticas.

No entanto, a lógica do estágio é invertida quando a empresa afirma “precisar” de estagiário, pois o verdadeiro contrato de estágio não serve para substituir o contrato de experiência, testar as habilidades de um possível futuro empregado, nem para baratear os custos da mão de obra.

De suma gravidade é o fato de setores inteiros de empresas, muitas vezes indispensáveis ao seu funcionamento, estarem atuando exclusivamente com o labor de estagiários – patente a substituição fraudulenta de mão de obra. Por vezes, empregados são dispensados e substituídos por estagiários; em outros casos, empresas abrem filiais e remanejam os empregados existentes complementando o quadro necessário ao seu funcionamento com a contratação de “estagiários”. E o setor público deixa de realizar concurso para contratar servidor e preenche as vagas com estagiários.

Nesse contexto, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio dos procuradores do Trabalho e dos auditores fiscais, respectivamente, atuam no combate à fraude mediante atuação proativa e planejamento de ações, pois praticamente não há denúncias: o aluno não denuncia porque precisa do estágio para auferir renda que lhe permita pagar as mensalidades do curso ou manter a si e a família, ante a falta de emprego; a instituição de ensino, quando privada, porque a remuneração do estágio lhe garante receber mensalmente as mensalidades cobradas do aluno estagiário; as unidades concedentes não o fariam, pois não exporiam sua conduta ilegal; e os agentes de integração têm interesse na manutenção do estágio, vez que cobram das unidades concedentes valores a título de taxas de administração, pelos serviços prestados para a formalização dos contratos, e recebem vultosas quantias de órgãos públicos para exercerem suas atividades previstas em lei.

Somente a união de esforços entre órgãos de fiscalização, a conscientização de alunos, professores, dirigentes de instituições de ensino sobre o caráter essencialmente educativo do estágio, que deve sempre se sobrepor ao produtivo, poderá fazer o instituto do estágio tornar-se uma ferramenta eficiente e eficaz de atuação da sociedade no cumprimento do seu dever de colaborar com o Estado na concretização do direito fundamental à educação. É nesse sentido que se convocam todos a denunciar irregularidades, na busca da valorização do estágio como ato essencialmente educativo e não produtivo, sem tornar ainda mais precárias as relações de emprego.

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